quinta-feira, 8 de setembro de 2011

nos momentos de criação, o que criamos é o que já existe no reino das palavras. somos um molde, em alguns pontos vazado, em que se vão encaixando e desencaixando as palavras, dando como resultado um estilo de pensar, um pensamento, uma lógica, uma forma de ver o mundo. somos uma peneira, um filtro, uma caixa de ressonância, uma folha branca, em que vamos escrevendo o que nos escreve, como num movimento de inspirar-expirar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Inês...

...quecível

olvidável

moldável,

água

de Moldávia.

sábado, 16 de julho de 2011

seguem minhas velhas crônicas...

CAFÉ DA MANHÃ CRIOULO

Ouvindo a Rádio Educativa, em Curitiba, nos idos de 99, muitas vezes tive agradáveis surpresas, encontros com vozes conhecidas, interpretando canções também conhecidas de maneira absolutamente nova, com algo de inesperado, um trinar de voz, uma força antes ausente. Canções que ganham um pigmento outro, como Pavão Misterioso, numa versão primorosa de Ney Matogrosso, amparado por um arranjo grandioso, como um hino, uma ode ao pássaro, dando-lhe vida e movimento ao ritmo da melodia. Outra deliciosa casualidade foi escutar Verônica Sabino cantando Peito Vazio (que já é linda com Nelson Gonçalves). Essa cantora, de voz amanteigada, só deixou mais bela a canção, abusando de um vibrato notável. Falando em vibrato, não dá pra deixar de citar o da Marisa Monte, o da Gal, magistral, o da Vânia Bastos... Esta, aliás, cantando Dindi, mereceria uma crônica à parte, tal é a precisão – pra não dizer “perfeição” – de sua colocação vocal. Mas uma de minhas maiores felicidades foi escutar de repente – no meio de um trânsito um tanto caótico da manhã curitibana – Cesária Évora (que eu nem sabia que se chamava Cesária Évora), uma cantora do Cabo Verde, presenteando o ouvinte logo cedo com uma serenata crioula. Quando me dei conta estava escutando uma canção, extremamente melodiosa e bela, chamada Bo e Di Meu Crecheu ("você é o meu amor", em crioulo), que só vim a saber depois, ligando para a rádio assim que cheguei no trabalho. O que ia me intrigando mais e mais, depois de já me haver ganhado a melodia, era a sequência de palavras, tão familiar aos ouvidos e tão estrangeira ao entendimento. Parecia minha língua, logo não parecia mais; meia palavra eu entendia, a outra metade – aquela que viria para completar o sentido e mitigar minha ânsia de compreensão – era sílaba imprevista, um tropeço, uma descontinuidade. Dias depois, comprei o CD: Cesária é negra, gorda e tem um dos olhos completamente estrábico. Linda. Quanto às letras..., bem, constam em crioulo e em inglês, e a gente vai se virando com a tradução do inglês pra entender um pouquinho dessa língua excêntrica que é o crioulo. Enfim, a voz de Cesária naquele início de dia foi como acordar com café na cama e degustá-lo ainda meio dormindo, embalada por um resto de sonho, cosmopolita, de sabor português, de alma africana, de coração brasileiro.

sábado, 2 de julho de 2011

outro da gaveta, dos idos de 2001... (postado sem revisão)

Óleo sobre fala


Meus conhecimentos ou impressões sobre pintura são parcos e, temo, extremamente pontuais. Mas, à mercê da crítica de leitores experts no assunto, arrisco expô-los.
Impressões, nesse caso, são como imagens impressas na memória, ‘pintadas’ mesmo em minha história. No traço e suas cores, no movimento e suas luzes e sombras, no espaço e sua profundidade, humildemente fico eu em perspectiva.
Salvador Dalí é pura nitidez e definição, dele recordo Muchacha en la Ventana, e todo o azul de um olhar que não se vê. Velázquez carrega no mí(s)tico, e Las Meninas enfeitiça por sua feição esfíngica, seímos no inconsciente. Goya, impressionante, no clarão feito de tintas no momento derradeiro: . Magritte, lírico e sonâmbulo, recorta parte de um rosto, coloca-o ao lado, esvazia o velho de chapéu negro e bengala, chamado O Terapeuta. Edward Hopper, em Hotel Room, descansa nosso olhar no langor da jovem que lê horários de trem. Cèzanne, se é que possa alguém alcançar o áspero mais macio de suas naturezas mortas. Degas é minha aula de balé mais longínqua e mais esperada. Sorolla e Kroyer pintaram passeios pela praia de duas damas e suas esvoaçantes roupas, e os segredos trocados debaixo dos chapéus. Kandinsky é um mergulho num balde de tintas e brinquedos de todas as cores e formas que se possa imaginar. Monet, em pinceladas curtas, em mosaicos de dura visão, recria o onírico dormente em minha alma. Roy Lichtenstein brinca de bolinhas que viram bolhas de sabão num banho de milhares de pontos vermelhos e azuis.
E há o momento em que as palavras se fazem rasas e acabam diluídas no silêncio incrivelmente falante das imagens eleitas. Assim, para minha sorte e deleite, é quando então posso calar e fruir.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Tatuagens da Memória

Alguns filmes ficam vivos em nossa memória, inesquecíveis, seja pela vertente imaginária, seja pelo som, seja pelo texto. Entre os primeiros, destacaria em forma de cores aqueles que me ficaram de maneira especial.

Azul – o entardecer de Betty Blue, a silhueta negra das casas no âmbar do horizonte, por cima do mar, um entardecer que não anoitece, que parou no tempo, como minha lembrança. Seria essa imagem tão eterna não estivesse embalada em uma das mais belas trilhas sonoras já criadas para o cinema?

Pastel – o guarda-sol deslizando e fazendo elipses pela areia ao som da Traviata, palmas pra Arnaldo Jabor em Eu Sei que Vou te Amar. O solilóquio dos apaixonados em uma casa fantasma, a piscina vazia cheia de folhas de árvores, sempre uma imagem poética, os olhos rasos d’água de Fernanda Torres, o texto fragmentado, argumentos pra tentar se sustentar e quanto mais se fala mais se deseja copular. Entre homem e mulher, tudo acaba em cópula.

Prata – a garoa mínima e constante de Blade Runner, com sua superpopulação, seus milhares de olhos rasgados, por baixo de outras milhares de sombrinhas, edifícios de uma altura espantosa, drinques gelados, fumaça, chuva ácida, noite e andróides povoando a cidade saturada em todos os sentidos. Não há mais vida, nem mesmo para os humanos, todos são andróides. Todos se caçam e não se conseguem exterminar. É uma mensagem bastante dura, o estereótipo do mal-estar urbano, só há o urbano! O campo verde do final é acolchoamento psicológico – para dizer o mínimo – com o fim de render bilheteria. A versão original não admite happy end. Isso teve de ser posto ali pra que o demais da indigesta película descesse pela garganta dos produtores, pra que lhes borrasse da memória o pássaro liberto das mãos do andróide, que morre deixando um questionamento de presente pra cada espectador. E por acaso eu quero me questionar?

Areia – não há no cinema nada mais triste que o conde Laszlo Almasy carregando nos braços sua deusa morta. (O Paciente Inglês)

Branco – a neve de Lanternas Vermelhas sendo fundo para a escultura oriental de Gong Li; as máscaras de O Mestre da Música, quando o teatro e o cinema se dão as mãos.

Dourado – a sobrevoada súbita por Barcelona e o mergulho na Sagrada Família, saídos dos cinco minutos de genialidade que teve Almodóvar em Tudo Sobre Minha Mãe. Ele conseguiu fazer o óbvio reinar absoluto. Valeu por todo o filme.

Verde – Delicatessen é surrealista, aquilo que jaz no inconsciente, o burburinho, o aturdito.

Vermelho – O Último Imperador, a cor do oriente.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Da gaveta... (postado sem revisão!)

OS CÃES DE MEU TIO

À semelhança da obra de Chaplin, não sei se é próprio qualificar de comédia o estilo de Jacques Tati. Essa minha 'desconfiança' reside na pergunta: seriam de fato engraçados os pequenos descompassos do nosso cotidiano? No entanto, vemos seus filmes e rimos ou, ao menos, sorrimos. E não por acaso. Afinal, estamos ali de alguma forma retratados, nas malhas do óbvio, que este cineasta tão sensivelmente verte em inédito. Sua lente apreende os detalhes mais descabidos e faz com eles uma outra história, a par da que se toma como a principal. Mas essa outra história é de longe a mais verdadeira, pois é ela que peculiarmente nos traduz, o que somos, como teria dito Freud, um chiste! Daí o riso, incontrolável mas neste caso imensamente salubre, pois trata-se de uma forma indolor de nos olharmos no espelho, um entretenimento em primeiro lugar.
Em Meu Tio não falta nada, não sobra nada. É didático, fácil de acompanhar, à diferença de As Férias de Monsieur Hullot, em que o enredo fica um tanto diluído nos jogos. Meu Tio é sem dúvida mais filme. Contém todos os elementos essenciais a um longa-metragem, cumpre todas as exigências e vai além, sendo anárquico, corajoso e solitário em sua ousadia; poucos filmes alcançam tal singularidade.
Um desses elementos tão bem colocados é a trilha sonora, demarcando a distinção entre dois universos: o vilarejo, colorido, alegre e com forte apelo humanista; e a cidade moderna, simétrica, racional, mas nem por isso menos graciosa, sendo sua música uma composição de ruídos de portas magnéticas, aparelhos domésticos e outras geringonças da era da eletrônica. A despeito de seu caráter esterilizado, descartável e pretensamente apático, revelando um homem mimetizado na fauna das máquinas, esta cidade do futuro nos presenteia com cenas inacreditáveis: no meio da noite, em duas pequenas janelas redondas e iluminadas de uma casa, assomam duas cabeças humanas, que se movem em semicírculo, sincronizadamente, dando-nos a ilusão de estar vendo um par de olhos curiosos, espiando o que ocorre do lado de fora. É puro desenho animado!
Efeitos como esse são arquitetados por um Tati de veia eminentemente teatral, que não deixa, no entanto, de usar-se fartamente dos recursos que o cinema lhe oferece como para carregar o espectador para baixo de uma mesa de feira, onde um pequeno vira-lata sente-se provocado e rosna, mostrando os dentes, à pobre carranca de um peixe, deixada à mostra na sacola que M. Hullot balança de um lado para outro, enquanto conversa desavisadamente com o feirante.
Aliás, os cães em Meu Tio são ponto de partida e chegada. Não são poucas as situações em que são eles os protagonistas. O cachorro 'rico', vestido com o mesmo xadrez preto e vermelho que ostenta seu dono – o bem-adaptado cônjuge da irmã de M. Hullot – nas mangas e gola do robe, é um bom exemplo: não há melhor ironia que a cena deste robusto casal preso na garagem da casa, reivindicando em tom infantil que ele passe pelo sensor fixado na calçada para que a porta abra (detalhe, com o rabo levantado para alcançar o campo magnético). Eu, particularmente, me delicio com o momento em que os cães 'pobres', depois de entrar atrás de M. Hullot na futurística fábrica de plásticos, vão saindo enxotados por um funcionário mal humorado – quando a gente pensa que saíram todos, o dito serviçal abre novamente a porta e expulsa mais um.
Pra terminar, os mesmos cães que no início buscavam comida nos latões de lixo povoam serelepes o cenário da praça, urinando aqui, farejando ali, detrás de uma singela cortina de voile que encerra ternamente essa obra-prima. Dizer que esse final é poético seria quase piegas. Pra mim, é simplesmente perfeito!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Estar aqui:
estar ou estar – não há escolha.

Na escola-flor da vida
que vive de quem (a)colha

Não há senão acolhida
a todos os ign(e)o(s - co)rantes
a todos os que ousam desconhecer
seu destino, suas ruas

Justo à luz do lampião a óleo
dependurado feito poste ereto
e encurvado à presença da lua

(luz duvidosa por amarela heresia...)

Mas eu não sabia
estar aqui
debaixo da luz, sem escolha
a um passo do fim

dependurado em um pensamento
que só não mata
para estarmos sempre a um passo
e esse passo
ser toda a linguagem

Estar justo para não-estar
e assim ter por uma noite
a companhia breve da luz

(a luz que tampouco escolhe o que iluminar,
no limiar da dúvida)

Se (a)lumiar
a lua brilha

Se divagar
a palavra se espedaça
espessa e congruente

em caquinhos rebrilhantes
rarefeitos e escorregadios... um imbróglio

Estar em meu antes
ser no depois
justo à luz do lampião a óleo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

domingo, 13 de março de 2011

...a vida agora é um fiozinho de baba
deslizando pescoço abaixo
fundindo-se com suor, esperma, leite
espessa numa gota de azeite
ou no choro convulsivo que desaba

a vida é água,
é fogo a 900 graus
que dizem ser o mesmo que água.


a vida desliza
escorre, escama
percorre a fronha
faz molhar o lençol

vida e morte

como as quatro faces da lua
perdidas de amor pelo sol.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Xístico

Feixes
peixes
deixe

Ameixa
madeixa
gueixa

Feixes de peixes
sob seixos flutuantes
Deixo flutuar sob


Madeixa de gueixa
que amei...

Ah, como amei
seu chás,
em chávenas
de delicado xadrez

Deixei assim a xilogravura
da minha xenofilia...

na madeira
da cabeceira.

À gueixa
e seus peixes,
pérolas
de azeviche.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

algaravia

vozes a vós,

- avós
tios primos
netos -


a ti a mim,

vozes
de mim
de ti

de vós que nos fala

tu e eu

nós (voz) eles

que somos? fala.




zzzzz5
ooooooo;
vvvv^
ttttmmm<
ssssssssssssssssss!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Daqui do horizonte
vejo linhas...

sou uma linha.

escrevo o limite,
desenho a divisão
terra-céu
mar-céu

sou uma linha escrita
que divide a paisagem em duas.

Daqui do horizonte
vejo o mar
como outra linha, lá além...

sou também uma linha de mar
me espelho na linha oposta,
me vejo no mar.

linhas equidistantes
o que somos.

sou equidistante
a mim mesma.

amém.