quinta-feira, 23 de junho de 2011

Tatuagens da Memória

Alguns filmes ficam vivos em nossa memória, inesquecíveis, seja pela vertente imaginária, seja pelo som, seja pelo texto. Entre os primeiros, destacaria em forma de cores aqueles que me ficaram de maneira especial.

Azul – o entardecer de Betty Blue, a silhueta negra das casas no âmbar do horizonte, por cima do mar, um entardecer que não anoitece, que parou no tempo, como minha lembrança. Seria essa imagem tão eterna não estivesse embalada em uma das mais belas trilhas sonoras já criadas para o cinema?

Pastel – o guarda-sol deslizando e fazendo elipses pela areia ao som da Traviata, palmas pra Arnaldo Jabor em Eu Sei que Vou te Amar. O solilóquio dos apaixonados em uma casa fantasma, a piscina vazia cheia de folhas de árvores, sempre uma imagem poética, os olhos rasos d’água de Fernanda Torres, o texto fragmentado, argumentos pra tentar se sustentar e quanto mais se fala mais se deseja copular. Entre homem e mulher, tudo acaba em cópula.

Prata – a garoa mínima e constante de Blade Runner, com sua superpopulação, seus milhares de olhos rasgados, por baixo de outras milhares de sombrinhas, edifícios de uma altura espantosa, drinques gelados, fumaça, chuva ácida, noite e andróides povoando a cidade saturada em todos os sentidos. Não há mais vida, nem mesmo para os humanos, todos são andróides. Todos se caçam e não se conseguem exterminar. É uma mensagem bastante dura, o estereótipo do mal-estar urbano, só há o urbano! O campo verde do final é acolchoamento psicológico – para dizer o mínimo – com o fim de render bilheteria. A versão original não admite happy end. Isso teve de ser posto ali pra que o demais da indigesta película descesse pela garganta dos produtores, pra que lhes borrasse da memória o pássaro liberto das mãos do andróide, que morre deixando um questionamento de presente pra cada espectador. E por acaso eu quero me questionar?

Areia – não há no cinema nada mais triste que o conde Laszlo Almasy carregando nos braços sua deusa morta. (O Paciente Inglês)

Branco – a neve de Lanternas Vermelhas sendo fundo para a escultura oriental de Gong Li; as máscaras de O Mestre da Música, quando o teatro e o cinema se dão as mãos.

Dourado – a sobrevoada súbita por Barcelona e o mergulho na Sagrada Família, saídos dos cinco minutos de genialidade que teve Almodóvar em Tudo Sobre Minha Mãe. Ele conseguiu fazer o óbvio reinar absoluto. Valeu por todo o filme.

Verde – Delicatessen é surrealista, aquilo que jaz no inconsciente, o burburinho, o aturdito.

Vermelho – O Último Imperador, a cor do oriente.