sábado, 16 de julho de 2011

seguem minhas velhas crônicas...

CAFÉ DA MANHÃ CRIOULO

Ouvindo a Rádio Educativa, em Curitiba, nos idos de 99, muitas vezes tive agradáveis surpresas, encontros com vozes conhecidas, interpretando canções também conhecidas de maneira absolutamente nova, com algo de inesperado, um trinar de voz, uma força antes ausente. Canções que ganham um pigmento outro, como Pavão Misterioso, numa versão primorosa de Ney Matogrosso, amparado por um arranjo grandioso, como um hino, uma ode ao pássaro, dando-lhe vida e movimento ao ritmo da melodia. Outra deliciosa casualidade foi escutar Verônica Sabino cantando Peito Vazio (que já é linda com Nelson Gonçalves). Essa cantora, de voz amanteigada, só deixou mais bela a canção, abusando de um vibrato notável. Falando em vibrato, não dá pra deixar de citar o da Marisa Monte, o da Gal, magistral, o da Vânia Bastos... Esta, aliás, cantando Dindi, mereceria uma crônica à parte, tal é a precisão – pra não dizer “perfeição” – de sua colocação vocal. Mas uma de minhas maiores felicidades foi escutar de repente – no meio de um trânsito um tanto caótico da manhã curitibana – Cesária Évora (que eu nem sabia que se chamava Cesária Évora), uma cantora do Cabo Verde, presenteando o ouvinte logo cedo com uma serenata crioula. Quando me dei conta estava escutando uma canção, extremamente melodiosa e bela, chamada Bo e Di Meu Crecheu ("você é o meu amor", em crioulo), que só vim a saber depois, ligando para a rádio assim que cheguei no trabalho. O que ia me intrigando mais e mais, depois de já me haver ganhado a melodia, era a sequência de palavras, tão familiar aos ouvidos e tão estrangeira ao entendimento. Parecia minha língua, logo não parecia mais; meia palavra eu entendia, a outra metade – aquela que viria para completar o sentido e mitigar minha ânsia de compreensão – era sílaba imprevista, um tropeço, uma descontinuidade. Dias depois, comprei o CD: Cesária é negra, gorda e tem um dos olhos completamente estrábico. Linda. Quanto às letras..., bem, constam em crioulo e em inglês, e a gente vai se virando com a tradução do inglês pra entender um pouquinho dessa língua excêntrica que é o crioulo. Enfim, a voz de Cesária naquele início de dia foi como acordar com café na cama e degustá-lo ainda meio dormindo, embalada por um resto de sonho, cosmopolita, de sabor português, de alma africana, de coração brasileiro.

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